500 Milhas de Brands Hatch - BOAC International 500 - 1968 (44 anos mais tarde)


Há muitas formas de redigir uma notícia, fazer uma reportagem ou escrever um livro. Está é para mim a matriz do relato de competição, a minha maneira de ler a história de uma corrida de automóveis. 
Foi escrita pelo jornalista Michel Hubin, no final de 1968 numa resenha desportiva da época destinada a aficionados do  desporto automóvel e que foi publicada na coleção Marabout Service, textualmente, Editions Gerard et Cº, Verviers, Belgique sob o título Championnat du Monde 68 Sport Prototype-GT, da Marabout Service.



" Brands Hatch, 7 de abril (1968)

Uma decalcomania com alguns centímetros quadrados colada no capot de um automóvel passando a 250 ou 300 Km/h diante do público não era sem dúvida suficiente para a glória da companhia de aviação britânica B.O.A.C., por isso criou a sua prova à qual deu o seu nome. Foi no ano passado (1967) que se disputou pela primeira vez a BOAC International 500 da qual Chaparral, Phil Hill e Michael Spence saíram vencedores. 
Contrariamente ao que a designação sugere, a prova não é disputada numa distância de 500 milhas (804 quilómetros) mas numa duração de 6 horas. 
A pista de Brands Hatch, de novo escolhida para mais esta edição da 500 milhas, foi por vezes designada por "pequeno Nurburgring" devido às suas lombas, curvas apertadas e lentidão. Pode fazer-se uma ideia da dureza do percurso se se souber que o Chaparral 7 litros venceu a prova de 1967 à modesta média horária de 149 Km/h. 
Aqui, como no Nurburgring, nenhuma curva é plana e as reviravoltas contínuas fazem com que seja difícil passar por todo o lado no limite de aderência. Dito isso, o circuito tem uma extensão de apenas 4,260 Km contra 22 Km do seu modelo alemão e, outra importante diferença, o seu piso é de excelente qualidade. 
Esta pista artificial está encaixada numa paisagem campestre típica da Inglaterra - vales, pradarias, bosques e coutadas - a uma vintena de quilómetros ao sul de Londres, perto de Farningham. Primitivamente desenhada com a forma de um feijão, desenvolve atualmente 4,260 Km de diversas bossas, curvinhas e contracurvas. À linha reta das tribunas - em curva - sucede uma curva em ângulo reto à direita em descida brutal, Paddock, uma brusca subida e um gancho, Druids; nova descida e angulo reto arredondado à esquerda, Bottom Bend, conduzindo paralelamente por trás das boxes. Esta secção é seguida por uma longa esquerda em subida ligeira abrindo sobre a reta mais longa, em descida também. A pista vira à direita e em subida; ainda à direita e em descida; seguem-se duas curvas mais abertas, a primeira em subida termina em plano e a segunda em descida, Stirling. Acede-se então à curva mais longa do circuito, curva em descida ligeira e de raio variável que conduz à reta das tribunas, Clearways. O recorde para protótipos deste tortuoso circuito pertence a Denny Hulme que, em Lola Chevrolet, cobriu uma volta em 1mn 38,2 s à media de 159,170 Km/h.

A maior parte dos concorrentes inscritos para esta primeira manga europeia do campeonato eram os mesmos já vistos nos Estados Unidos: Porsche, Howmet e Alfa em grupo 6 (Protótipos) e Ford e Lola em grupo 4 (Sport).
A casa Porsche alinhou 3 protótipos 907/8 2,2 L com cauda curta e as equipas da casa: Scarfiotti e Mitter, Siffert e Herrman, Elford e Neerpasch ou seja, um carro e dois pilotos (Buzzetta e Stommelen) a menos do que nos E.U.A., o que indica a contrario a prioridade dada pela Porsche ao mercado americano. Seja como for, foi talvez em Brands Hatch que se viu pela última vez os Porsches 2,2 L de cilindrada como vedetas da corrida, porque o 908/8 3L deveria estar pronto para Monza no espaço de quinze dias.
O Howmet TX de turbina, único do género como é costume, foi confiado a Thompson e Dibley, mas Heppensthal participou ativamente na sua afinação.
Da Alpine, da Matra ou de protótipos de motor B.R.M. nem sinal.
Em grupo Sport com menos de 5 litros, John Wyer apresentou apenas um dos seus Ford GT40 Weslake. Sem dúvida, que o torniquete de Brands Hatch não lhe pareceu favorável e apostou antes numa minuciosa preparação dos 1000 Km de Monza... e das 24 Horas de Le Mans. O Ford GT 40 JW pintado nas cores da Gulf - azul pálido e laranja - estava confiado a Ickx e Redman. Paul Hawkins secundado por Hobbs alinhava no seu próprio Ford GT 40, sem cabeça Gurney- Weslake. Salmon e Piper estavam presentes igualmente em Ford Sport.
Bonnier-Axelsson, Charlton-Craig Fisher (o piloto do Chevrolet Camaro de Sebring) e Epstein- Nelson dividiam os três volantes dos Lola Chevrolet Mark III.
A curiosidade incidia principalmente num recém chegado, a resposta da Ford à nova regulamentação da C.S.I.: o Ford protótipo de 3 litros concebido por Alan Mann e Len Bailey por conta da Ford de Dagenham. Num belíssimo chassis monocoque, os engenheiros da Ford Inglaterra montaram um motor de Formula 1: o Ford Cosworth V8 de 3 litros de cilindrada, previamente domesticado para 400 cavalos. O novo carro, é extremamente baixo (menos de 90 cm), leve (670 quilos) e é muito estreito e o seu comprimento de extremo a extremo não ultrapassa o de um Cortina (4,224 m). Muito potente e aerodinâmico este novo Ford não tem senão um defeito evidente: a sua juventude. As esperanças que suscita são tamanhas que numerosos pilotos entre os melhores do mundo aceitaram pilotá-lo em alguma ocasião: é o caso de Graham Hill, Jim Clark, Jack Brabham, Denny Hulme, Bruce Mclaren, Jochen Rindt ou Michael Spence! Em Brands Hatch os dois Ford foram confiados a McLaren-Spence e Hulme-Brabham (substituído finalmente por Rindt) porque, devido a um quiproquo, Clark inscreveu-se para correr em Formula 2, no mesmo dia em Hockenheim.

Entre os protótipos de menos de 2 litros, contavam-se os três Alfa Romeu 33 confiados a Schutz-L. Bianchi, Vaccarella-Attwood e Galli-Baghetti para enfrentar três Porsche 910/6 nas mãos de Steinmann-Spoery, Lins-Foitek e Ben Pon-Van Lennep. Os outsiders eram: o Ferrari Dino 206 de Dean-Beckwith, o Chevron de motor BMW de 2 litros de Martland-Classik, o Chevron de motor Ford Cosworth de Bridges-Lepp, o Lotus Conventry-Climax de Sutton-Hedges e o Nomad Ford "Twin Cam" de Konig- Lanfranchi (610 quilos - 180 cavalos).
O Gold Leaf Team Lotus alinhava em Grupo Sport menos de 2 litros, um Lotus Europa com motor Ford Cortina "Twin Cam" e injeção para Jackie Oliver e John Miles. Trevor Taylor e Michael Budge, Jackson e Graff Oliver, John Hine e Crabtree formavam as outras equipas a bordo de alguns belos coupés. Estes Lotus opunham-se a seis exemplares do Porsche Carrera 906/6 nas mãos de equipas com valores muito desiguais. O "menu" destas 500 Milhas de Brands Hatch resumia-se como se segue: 36 viaturas, 72 pilotos de dez nacionalidades diferentes pelo menos e vários milhares de cavalos mas nem um automóvel de Grande Turismo.
A prova é muito aberta, porque o pequeno circuito inglês obriga homens e mecânicas a um trabalho pesado e a curta extensão da prova joga a favor dos outsiders.
Depois de Daytona (24 horas, partida lançada) e Sebring (12 horas, partida tipo Le Mans) eis aqui Brands Hatch (6 horas, partida em linha)"

Cabe-nos aqui um pequeno apontamento à margem para salientar alguns aspetos que consideramos ter interesse numa análise do artigo e da prova, quarenta e quatro anos depois.
Michel Hubin, o jornalista autor da coletânea  Championnat du Monde 68 Sport Prototype-GT, inventariava de modo exaustivo uma lista de inscritos, referindo os protagonistas maiores, Ford e Porsche, colocando a fasquia muito alta nas ambições da Porsche que se apresentava neste campeonato, desde Daytona, como grande candidata ao título máximo. Face a uma equipa Porsche bem equipada de carros, e duplas de pilotos experimentadas e velozes, o jornalista opunha a Ford, espécie de Golias solitário que se apresentava com poucos argumentos, apenas um carro oficial da equipa representante da marca, John Wyer, ou de eficácia duvidosa devido à juventude do projeto, o Ford 3 litros, contando  com a rapidez da dupla de pilotos Ickx e Redman mas com um forte handicap de um único carro com hipóteses de vencer em qualquer dos casos. Sobre a corrida, com várias categorias entre os protótipos e carros  de sport era no entanto evidente que o tipo de circuito,  Brands Hatch, poderia, perante uma hecatombe inesperada dos principais atores da corrida, colocar nos lugares de destaque alguns dos outsiders de nomeada, como os rápidos mas pesados Lola T70, os Alfa Romeu 33 ou os Porsche 910.
De reter ainda, na comparação com os dias de hoje, a baixa média de cilindradas dos participantes, onde entre os 33 participantes apenas se destacavam acima dos 3 litros de cilindrada dos Ford de Alan Mann, os 3,3 litros dos 2 Ferrari LM, os 3 Lola Chevrolet ou os 5 Ford GT 40.
Para nós portugueses tem interesse destacar a participação do Porsche Carrera 6 de Michael de Udy pilotado por Mário Araújo Cabral e Jacques Duval que arrancariam para a prova, da 31ª posição e a acabariam no 19º lugar e 4º da classe sport até 2000 c.c.

"Os Treinos 
Desde a 6ª feira anterior à corrida, os Posche confirmaram o seu favoritismo: no seu 2,2 L, Joseph Siffert apoderou-se de um novo recorde oficioso em 1mn 34,6s (162,103 Km/h). O Howmet conseguiu uma volta em 1 mn 37,2s, tempo que confirmou a sua competitividade mas todos sabiam que, no domingo, este carro deveria parar todos os 45-50 minutos para abastecer; assim ninguém acreditava que pudesse ameaçar os favoritos.
No Ford GT 40 JW, Ickx e Redman mostraram-se tão rápidos um como o outro: 1 mn 36,8s por volta. Como em Daytona e Sebring anunciavam-se como adversários temíveis. Os Ford protótipos de 3 litros não estavam entretanto acabados. No 3, tinha-se mudado a caixa ZF por uma Hewland, modificação que obrigou a improvisar um novo painel traseiro de carroçaria. Na 6ª feira dedicaram-se a regulações de suspensão. No sábado, sob um sol radioso, Bruce McLaren realizou o segundo melhor tempo nos ensaios com 1 mn 35,4s. O seu Ford exibia um pequeno apêndice traseiro. O outro Ford mostrou-se muito rápido igualmente mas queimou uma junta de cabeça.
Na Porsche, a ordem era a seguinte: Siffert o mais rápido à frente de Mitter (1 mn35,6s) e de Elford (1 mn 36,2s). Os colegas de equipa conseguiram 1 mn 38s (Herrmann que partiria com Siffert), 1 mn 37,4s (Scarfiotti que partiria com Mitter) e 1 mn 37,8s (Neerpasch que partiria com Elford).
Em sport, Rodriguez rodou com o Ferrari em 1 mn 39,2s no sábado (melhoria de 4/10 de segundos em relação à véspera) e Oliver no Lotus Europa melhorou em um segundo o seu tempo da véspera (rodou no sábado em 1 mn 40,4s). Pequenos incidentes: Neerpasch que saiu de pista e o Howmet que sofreu problemas de diferencial.
A grelha de partida anunciava-se da seguinte forma: Siffert-Herrmann e Scarfiotti-Mitter nos dois Porsche brancos em primeira linha com o belo e rutilante Ford Alan Mann de McLaren. Em segunda linha, o terceiro Porsche e o segundo Ford 3L. Na terceira linha, o GT 40 JW, o Howmet e o Lola T70 de Bonnier Axelsson. Na quarta linha, um Lola (e o Ferrari LM de Rodriguez - Pierpoint.
Os grandes protótipos precedem então os grandes carros de sport; em classe inferior, um único prototipo de menos de 2 litros conseguiu superar os velozes Lotus Europa (Sport menos de 2 L). O Porsche de Ben Pon - Van Lennep não está senão na sexta fila e a 2/10 de segundos apenas, não de um Alfa Romeu mas sim do Chevron-BMW de Martland-Classik.
Na realidade, no domingo, a grelha de partida vai-se apresentar de outra forma porque o Ford Alan Mann confiado a Hulme e Rindt (1 mn36,4s nos treinos) declarou a desistência da corrida: o único motor de substituição encontrava-se na França e não pode ser reparado a tempo. Um único Ford dará então réplica aos Porsche, mas Spence declarou "anda como um foguete..." o que deixava algumas esperanças. Se  foi Spence o preferido para pilotar o Ford aconteceu apenas por uma questão de tamanho: no Ford de McLaren, Hulme tocava com o capacete no teto.... Outra mudança na grelha: o Lotus Europa de Hine-Grabtree, na 11ª linha foi retirado pelos comissários que constataram uma fuga no reservatório de carburante."

Como nota à margem para os adeptos portugueses, rezam as crónicas que, ao volante do Porsche 906 do Michael D'Udy, Nicha Cabral conseguiu fazer o melhor tempo da dupla Cabral-Duval, com o 32º lugar. O carro teria uns rapports muito longos para aquele circuito, e "nem a quarta velocidade chegava a esgotar" (Dinis, Nicha).


"A corrida

No domingo 7 de abril um vento frio sopra nos campos. Este tempo desagradável não desanimará os 40 000 amadores britânicos que afluem em grande número desde a manhã ao “pequeno Nurburgring”.

Muitas cores na grelha de partida: o vermelho e dourado do Ford protótipo, o azul e laranja do Ford GT 40 JW, o branco dos Porsche, o verde escuro do Ferrari LM e o amarelo dourado do Lola de Bonnier.
Exatamente às 12 horas – precisão significativa do respeito alimentado nas ilhas pelo desporto automóvel e o público – a bandeira é erguida. Quando se baixa, toda a grelha de partida arranca ao mesmo tempo. Alguns metros adiante o Ford hesitou: num instante foi ultrapassado pelos carros que partiram das segunda, terceira, quarta e quinta fila. Mitter, Siffert, Elford mergulham em Paddock e saem agrupados como aviões num festival aéreo; os três carros brancos encaminham-se em grupo para Druids, levando no seu encalço mas a uma distância de alguns metros, o Ford GT 40 de Jacky Ickx, o Howmet de Thompson, o Ferrari Dino de Dean, os dois Lola e o extraordinário Lotus Europa de Oliver. McLaren não está senão em décima posição.


Rapidamente as posições alteram-se à cabeça da corrida: Siffert ultrapassa Mitter, McLaren sobe à quinta posição. Na segunda volta, a ordem é a seguinte: Siffert, Elford, Mitter, e o esqualo vermelho de Alan Mann que continua a subir na classificação. Ickx consegue ultrapassar o Howmet cuja agilidade não permite compensar a perda de tempo na travagem. Charlton e Bonnier vêm depois. Estamos então em pleno combate: o inimigo a abater, Porsche, está a liderar e faz valer a lei do número e o outsider Ford protótipo está a 4 ou 5 segundos de Siffert. O Howmet está em sexta posição. As máquinas de sport sempre à espreita de uma vitória sobre os protótipos estão bem colocadas: Ickx em quinto e os dois Lola que mantêm o contacto.
Na sua 6ª volta, o Howmet despista-se em Druids e bate nas proteções, desistindo.
A velocidade é alta, desde o quilómetro 40 (10 voltas) não há senão uma boa metade dos concorrentes na mesma volta. A ordem das passagens é a seguinte: Porsche (Siffert), Ford (McLaren), Porsche (Elford), Porsche (Mitter), Ford GT 40 (Ickx); um segundo grupo é conduzido pelos dois Lola (Charlton e Bonnier); é composto pelos dois Ferrari (o LM de Rodriguez e o Dino de Dean), um GT 40 (Hawkins), depois, fazendo jogo igual, os protótipos de menos de 2 litros: três Alfa 33, dois Lotus Europa, o Nomad de konig, o Chevron de Martland e o Porsche de Spoery.
À cabeça, as mudanças são provocadas pelas ultrapassagens dos concorrentes dobrados ou por incidentes de pilotagem. Assim, na 16ª passagem, McLaren consegue arrancar a liderança a Siffert e ganhar alguma distância; Dean perde alguns lugares devido a um pião, o Nomad de Konig e o Lotus Europa de Taylor retiram-se. Mitter é contrariado pelo aviso de sobreaquecimento dos travões. Na 20ª volta, Siffert e Elford têm novamente McLaren na sua linha de fogo; Mitter atrasa-se e será rapidamente ultrapassado pelo GT 40 JW de Ickx que continua a 26 segundos dos lideres. Os dois Lola estão a menos de um minuto tal  como o GT 40 de Hawkins e o LM de Rodriguez. Alguns minutos antes das 13 horas, Siffert retoma a liderança e Elford imita-o mas McLaren é intratável e ultrapassará os dois Porsche pouco depois do fim desta primeira hora de corrida.


Não há mais do que estes quatro carros na mesma volta: Siffert, 2 segundos depois McLaren, 4 segundos depois vem Elford e enfim a 35 segundos de Elford, passa Ickx. Mitter é dobrado. Atrás dele vêm os Lola e o GT 40 de Hawkins.
A ordem das passagens às 13 horas é a seguinte:
  1. 38 voltas: Porsche ( Siffert); 
  2. 38 voltas: Ford Cosworth (Mclaren) a 2 segundos; 
  3. 38 voltas: Porsche ( Elford) a 6 segundos do lider;
  4. 38 voltas: Ford (Ickx), a 41 segundos do líder; 
  5. 37 voltas: Porsche ( Mitter);
  6. 37 voltas: Lola ( Bonnier);
  7. 37 voltas: Lola (Charlton);
  8. 37 voltas: Ford GT 40 (Hawkins);
  9. 37 voltas: Ferrari LM (Rodriguez);
  10. 36 voltas: Alfa 33 (Attwood).

Passam depois: o Ferrari Dino de Dean, o Alfa 33 de Galli a 2 voltas, o Lotus Europa de Oliver, o Alfa de Lucien Bianchi e o Porsche de Lins que partido da última linha fez uma bela recuperação.
No 63º minuto, Mitter é obrigado a parar nos stands para mudança de calços de travões.
A corrida vai mudar de fisionomia porque, uma após outra, as equipas dos stands chamam os seus pilotos para os abastecer de carburante. Estas paragens sucessivas transformam a classificação tanto mais profundamente quanto elas servem para mudar alguns componentes e peças.
Os Alfa Romeu 33 estão entre os primeiros a serem chamados às boxes: são 13 horas e 30. À cabeça, depois de 247,080 quilómetros, o Ford Cosworth abastece; aproveita-se para reparar um trinco da porta e mudar as plaquetes de travão ( tempo de paragem, somente 3 minutos). Quando o Ford arranca, Siffert pára. Um Porsche controla as operações e não abastece: é o de Elford que parece decalcar a sua corrida da de Jacky Ickx. Spence que substituiu McLaren não irá longe: um quarto de hora depois de estar ao volante, arruma o Ford vermelho na relva da berma pouco depois de Bottom Bend: um fletor de transmissão cedeu. Elford é assinalado em quarta posição no fim da segunda hora. O GT 40 de JW não tendo parado ocupa o segundo lugar a 48 segundos do líder e à frente de dos Porsche de Herrmann (que substituiu Siffert) e de Scarfiotti (que substituiu Mitter e está a 1 mn 36 s do primeiro): Rodriguez está a uma volta à frente de Bonnier (a 2 voltas) porque também não abasteceu. Charlton tendo abandonado devido a problemas de caixa, Hawkins e Hobbs estão em sétimo lugar a 3 voltas. O Chevron BMW de 2 L de Martland - Classik ocupa um brilhante oitavo lugar à frente do Ferrari Dino de Dean- Beckwith (a 4 voltas dos lideres). O Lotus Europa de Oliver - Miles é décimo. A média sustentada pelo líder é neste momento de 155, 432 Km/h o que é um sinal dos progressos realizados num ano e do calor da luta.
Elford pára às 14 horas para fazer o pleno de carburante. Ickx apodera-se do comando, abastece e é o terceiro classificado, Herrmann, que passa a liderar. Esta situação é muito provisória, porque também ele vai ter que substituir os calços de travões. No stand John Wyer, aproveita-se a paragem de Jacky Ickx para mudar os pneus traseiros (1 mn 20s). Elford deve infelizmente fazer uma paragem de 4 minutos para mudar os seus calços de travões de tal forma que é Ickx - Redman a bordo do seu GT 40 azul e laranja que se instalam solidamente à cabeça com dois minutos de avanço sobre Scarfiotti - Mitter.
Dois protótipos Porsche com menos de 2 litros – pilotados por Spoery-Steinmann e por Lins – Foitek – conseguiram ultrapassar o Chevron BMW de Martland- Classik.
Depois de 3 horas de corrida, está claro que se as paragens para mudanças de calços de travão continuam a este ritmo, os Porsche arriscam-se a ser batidos pelos seus próprios travões. A sua velocidade e segurança podem dar-lhes hipóteses mas o GT 40 provou em Daytona e Sebring que é igualmente rápido e aguenta uma distância tipo 500 milhas sem demasiados problemas.
A classificação era a seguinte:


1.      109 voltas: Ford GT 40 (Ickx-Redman);
2.      109 voltas: Porsche 907/8 (Mitter-Scarfiotti); a 2 mn 11 s
3.      108 voltas: Porsche 907/8 (Elford-Neerpasch);
4.      106 voltas: Porsche 907/8 (Siffert-Herrmann);
5.      106 voltas: Ford GT 40 (Hawkins-Hobbs);
6.      106 voltas: Lola Mk III (Bonnier-Axelsson);
7.      104 voltas: Ferrari LM Sport (Rodriguez-Pierpoint);
8.      104 voltas: Porsche 910/6 (Spoery-Steinmann);
9.      104 voltas: Porsche 910/6 (Lins-Foitek);
10.  103 voltas: Ford GT 40 (Salmon-Piper);

A situação degradou-se ainda mais para a Porsche: o carro de Siffert-Herrmann parou 6 minutos, voltou a arrancar, bloqueou uma roda, reentrou no stand em violação dos regulamentos; procura-se mudar um suporte mas ao fim de 20 minutos conclui-se que era um cubo de roda que era preciso substituir. O carro branco e nariz verde não voltará a partir. Bonnier-Axelsson param para mudança de bateria e perdem dois lugares na geral. O 910/6 de Lins/Foitek superioriza-se ao de Spoery-Steinmann. Na liderança, Mitter e Scarfiotti continuam a perder terreno para Ickx-Redman: a diferença ente eles passou de 6 segundos na 2ª hora, para 2 mn 11s na terceira hora e para uma volta completa na 4ª. Elford-Neerpasch estão no 3º lugar mas a 2 voltas. Hawkins-Hobbs, 4º a 5 voltas. Rodriguez-Pierpoint, 5º a 6 voltas. Lins-Foitek, 6º a 7 voltas. Spoery-Steinmann, 7º a 8 voltas. Bonnier-Axelsson, oitavos a 8 voltas, à frente de Classik, 9º a 8 voltas igualmente. A equipa Vaccarella -Attwood são 10º a 9 voltas. 
Aos dois terços da prova a corrida parece decidida: Ickx-Redman efetuarão a sua segunda e última paragem de abastecimento; Scarfiotti-Mitter que mudaram as pastilhas antes do fim da primeira hora, abastecidos depois de 1 hora e 40 mn, e antes da 4ª hora, deverão fazer um 3º pleno de carburante e, poupando os travões, diminuir o atraso devido a uma mais baixa autonomia. 
Ickx-Redman abastecem um pouco depois das 16 horas. Esta paragem é de 2 mn e 10 s porque trocam de pastilhas de travões e e fazem o pleno de gasolina e óleo. O Porsche aproveita para se aproximar. Jacky Ickx retoma o volante para esta última etapa e, seguindo escrupulosamente o seu rígido plano de corrida, deixa-se - ou faz-se- atrasar pouco a pouco face a Mitter que, 90 minutos antes do fim da prova, assume o comando da prova. Ickx fica no seu encalço (15 segundos de diferença) de tal forma que, logo que acontece a terceira inevitável paragem para reabastecimento do Porsche, apodera-se do comando. E é o que acontece a 62 minutos do fim da corrida: Mitter, pára, Scarfiotti, sobre o qual recaem as esperanças da marca alemã, lança-se em perseguição de Ickx com um atraso de 50 segundos. É a última fase que se joga. 
O balanço da classificação à 5ª hora é o seguinte pela ordem e com as diferenças seguintes: 

  1. 181 voltas:  Ford GT 40 (Ickx-Redman ); 
  2. 181 voltas: Porsche 907/8 (Scarfiotti-Mitter) a 35 segundos; 
  3. 180 voltas: Porsche 907/8 (Elford-Neerpasch); 
  4. 176voltas:  Ford GT 40 (Hawkins-Hobbs); 
  5. 174 voltas: Lola Mk III (Bonnier-Axelsson); 
  6. 174 voltas: Ferrari LM (Rodriguez-Pierpoint); 
  7. 172 voltas: Porsche 910/6(Spoery-Steinmann); 
  8. 172 voltas: Porsche 910/6 (Lins-Foitek); 
  9. 172 voltas: Chevron-BMW (Martland-Classik); 
  10. 169voltas:  Alfa-Romeu 33 (Attwood-Vaccarella); 
A Porsche conserva chances de vencer porque Scarfiotti não tem nada a perder dado que em caso de avaria, o segundo lugar está assegurado por Elford-Neerpasch que têm quatro voltas de avanço sobre Hawkins-Hobbs. Scarfiotti porcura então refazer o terreno perdido. Ickx continua a pilotar no limite sem desperdiçar nem o talento nem a mecânica mas a recuperação de Scarfiotti obriga-o finalmente a bater-se não contra o cronómetro mas contra este Porsche que joga o tudo por tudo. 
A meia hora da bandeirada, o avanço de Ickx caíu para 26 segundos, principalmente devido a um problema de transmissão na curva Stirling, mas felizmente para ele trata-se de um falso alerta. Ickx, estabiliza a situação e inicia a ultima volta com 23 segundos de avanço sobre o seu perseguidor. É para ele que, às 18 horas, Clem Greville-Smith agita pela primeira vez a bandeira de xadrez. Vinte e dois segundos depois, Ludovico Scarfiotti corta a linha de chegada por sua vez; já é tempo porque os seus travões estavam no fim. 
Jacky Ickx e Brian Redman cumpriram exatamente o contrato imposto por John Wyer: cumpriram 218 vezes o circuito de Brands Hatch em 6 horas contra 211 voltas para Phil Hill e Spence, no ano passado, em Chaparral 2F de 7 litros. Uma grande jornada de desporto automóvel cumpriu-se. No momento em que os pilotos retiram os capacetes uma dura notícia os esperava: Jim Clark, o maior de todos feriu-se mortalmente em em Hockenheim. As cerimónias de entrega de prémios e os festejos são anulados.

Como nota à margem sobre a corrida de Mário Araújo Cabral e Jacques Duval, durante a prova também a 2ª velocidade acabou por falhar o que obrigou a equipa a gerir a corrida para chegar ao fim o que conseguiram fazer em 19º lugar com apenas 183 voltas, contra as 218 voltas dos vencedores. 

Motivos de abandono

Os Porsche foram pesadamente prejudicados pela fraqueza dos seus travões. Como em Sebring, um rolamento de eixo gripou num dos carros (a de Siffert neste caso), mas em Brands Hatch o avanço acumulado era insuficiente para autorizar uma reparação de 20 minutos. Esta questão dos travões deverá ser cuidadosamente estudada antes de enfrentar Nurburgring. Dito isso, entre todas as  viaturas inscritas no campeonato até hoje, são os Porsche 907/8 que se mostram mais seguros e mais rápidos. Porsche deverá precaver-se dos Ford Sport e Protótipos, até mesmo da Alpine também, se quiser vencer o campeonato de 1968. Deverá alinhar, desde que possível, os 908/8 de 3 litros de que tanto se fala.
Foi novamente devido a um bloqueio de By-pass que se deveu o acidente do Howmet e o seu abandono. Como em Daytona, Thompson escapou sem problemas dado que a curva era lenta. Decididamente o carro a turbina é dececionante.
O Ford Alan Mann fez uma estreia prometedora. Durante duas horas, dominou a corrida; a sua presença à partida significará um espetáculo animado.
Dos GT 40, à exceção do alinhado por Wyer que não teve nenhum problema, uns tinham falta de potência (o de Hawkins), outros de preparação (o de Salmon, comportamento; o de Drury-Holland: lubrificação e caixa deficientes; o de Prophet-Bond: vibração nas bielas e abandono antes da primeira hora).
Os Lola não puderam reeditar a performance de Sebring; é verdade que Brands Hatch não favorece as grandes cilindradas. Depois de um espetacular pião em Clearways, Charlton viu uma roda bloquear em Druids e abandonou finalmente. O Ferrari LM de Rodriguez-Pierpoint fez uma corrida regular mas sem brilhantismo. Os dias de glória deste carro passaram definitivamente. Dos protótipos com menos de 2 litros, o mais rápido nos treinos foi o Ferrari Dino 206 de Dean-Beckwith cuja corrida brilhante - deu nas vistas a velocidade e maneabilidade do carro - acabou, devido a uma quebra de suporte de transmissão, acontecido na sequência de um erro de pilotagem de Dean e a uma mudança de bateria quando Beckwith estava ao volante. Os comissários eliminaram-no devido à reparação efetuada nos stands.
Os protótipos 910/6 da Porsche rodaram regularmente. A surpresa veio do lado da Chevron. Nesta carroçaria - pouco entusiasmante - monta-se indiferentemente um Repco de 3 litros, um Ford Cosworth FVA (Formula 2) ou um BMW de 2 litros. Foi o exemplar equipado do motor alemão que fez surpresa conseguindo o 2º lugar da classe, à frente do 910/6 de Lins-Foitek e no 8º lugar da geral. Neste número o Nomad abandonou por rotura da árvore de cames à cabeça. A prestação dos Alfa 33 foi dececionante: o seu comportamento deixa a desejar, a potência é insuficiente, o funcionamento sujeito a numerosos acasos. Motor partido para Schutz-Lucien Bianchi; rotura de árvore de cames para Attwood-Vaccarella; problemas de ignição para Galli-Baghetti que foram os únicos a rolar até ao fim mas não se classificaram para o campeonato devido a distância insuficiente.
Em grupo Sport, classe menos de 2 litros, a palma vai para o pequeno Lotus Europa, máquina terrível debaixo de um aspecto tranquilo de GT. A sua autonomia parece um pouco fraca.

O homem e o automóvel de competição

Já, em Daytona e Sebring, o ex-Mirage Ford reconvertido em pequeno Sport tinha dado a melhor das réplicas aos protótipos Porsche 2,2 litros. Em Brands Hatch, graças a Ickx e Redman e contrariamente aos seus receios, John Wyer recolheu os frutos que uma certa infelicidade lhe tinha recusado nos Estados Unidos.
O homem da corrida, se for preciso escolher um, foi o jovem Jacky Ickx (23 anos apenas) cuja corrida foi inteligente e talentosa; se o papel de Brian Redman foi mais apagado, não ficou a dever em nada a Ickx quanto a brio. O Ford GT 40 não era certamente favorecido pelo perfil sinuoso de Brands Hatch e contudo serviu as esperanças dos seus criadores e pilotos com uma regularidade digna dos mais elevados elogios. O interesse pelo Campeonato Internacional de Marcas foi relançado por esta vitória do bastardo 4736 sobre o  protótipo alemão. Ainda que estivesse só, Golias venceu no seu terreno os três pequenos David que se lhe opunham. Se a Porsche, que em 1968 é a grande favorita, triunfar no campeonato não o conseguirá sem glória. Teremos que nos felicitar por isso. 

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